Era início de janeiro quando o professor Pedro Leite da Silva Dias viu as primeiras notícias sobre uma grande “explosão” de chuvas na ilha de Java, na Indonésia. Para a maioria dos brasileiros, era uma notícia sem importância, sobre um lugar distante, desconectado da nossa realidade. Mas Dias enxergou ali o prenúncio de mais uma possível tragédia nacional. “Macaco velho” das ciências atmosféricas, com quase 50 anos de experiência na área, ele logo pensou: “Essa bomba vai chegar aqui”.
E chegou mesmo. Três semanas mais tarde, uma “explosão” semelhante de chuvas torrenciais começou a desabar sobre Belo Horizonte e outros municípios da Zona da Mata Mineira, sul do Espírito Santo e norte do Rio de Janeiro. As cenas de calamidade do réveillon na Indonésia logo se repetiram aqui: alagamentos, desabamentos, destruição, sofrimento, mortes. Só no Estado de Minas Gerais, mais de 50 pessoas perderam a vida em janeiro por causa da chuva, e mais de 50 mil ficaram desabrigadas.
“A experiência me diz que quando acontece uma explosão assim na Indonésia é bom ficar de olho, porque vai dar algum problema por aqui também”, observa Dias, professor titular e atual diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.
Não se trata de profecia nem premonição, mas de uma previsão científica, lastreada por décadas de pesquisa acadêmica e trabalho no campo. Além de cientista, Dias é fazendeiro, produtor de café no sul de Minas Gerais — onde depende, também, de uma boa meteorologia para garantir o sucesso de sua lavoura.
A tal “explosão”, no caso, é como os meteorologistas se referem a eventos de chuva intensa que persistem por vários dias, sobre grandes áreas, normalmente detonados por um aquecimento anômalo da água do mar ou pela intrusão de frentes frias na região dos trópicos. Essas “explosões” liberam uma quantidade imensa de energia (gerada pela mudança de fase da água, do estado gasoso para o líquido), que se propaga pela atmosfera na forma de ondas.
“É como quando você joga uma pedra num lago e forma aqueles anéis concêntricos, que espalham a energia na água a partir do ponto onde a pedra caiu”, explica Dias. “No caso da atmosfera, o papel da pedra é feito pela chuva.”
Leia Completo em Jornal da USP.
As enchentes de Belo Horizonte e São Paulo são a ponta mais recente do iceberg climático que está a atingir as cidades brasileiras. Despreparadas, estas estão ameaçadas por chuvas cada vez mais fortes e mais frequentes. As chuvas que caíam uma vez a cada 10, 20 anos, agora acontecem a cada 5 anos ou menos.
Daniela Chiaretti, no Valor, lembra que um trabalho do INPE de 2010 indicava que a temperatura média em São Paulo já tinha aumentado entre 2°C a 3°C, o suficiente para a cidade perder sua famosa garoa. A matéria compara as “enchentes surpresas” daqui com práticas adotadas mundo afora para exatamente reduzir o risco e os prejuízos com as chuva nas cidades brasileiras.
Em Moçambique, a prefeitura de Pemba e Nacala mapearam as zonas de risco de desabamentos e enchentes e só autorizam novas construções em função desses riscos. Na Filadélfia, nos EUA, a prefeitura sabe que os primeiros milímetros de chuva determinam o tamanho do estrago. Assim, implantaram um programa no qual as casas instalam sistemas de captação e armazenamento desse primeiros volumes. Em Bangladesh, a perda anual da criação de galinhas para as enchentes foi reduzida com a introdução da criação de patos.
Chiaretti conversou com Sergio Margulis e Natalie Untersell, responsáveis pelo melhor trabalho sobre impactos climáticos em todo o país, trabalho que traz um conjunto importante de medidas de prevenção e adaptação, o Brasil 2040. Margulis diz que “se cortar gases-estufa é missão dos governos federais, a adaptação é local. É preciso começar logo: desentupir bueiros, melhorar a drenagem, plantas árvores, limpar córregos, educar a população a não jogar lixo no chão. Implementar um plano e pensar em obras estruturantes. O que não é possível é não fazer nada e apenas esperar pela próxima calamidade”.
Leia Completo em Clima Info
Mais quente, mais seco e menos previsível. Assim são as metrópoles brasileiras se comparadas com o seu clima original - mas não é só aqui que isto acontece. É regra entre as maiores concentrações urbanas do mundo: todas as grandes cidades têm seu clima desregulado. Isto é resultado, sobretudo, da substituição de vegetação nativa por concreto e asfalto.
Não importa em qual região do Brasil você viva, se você mora em algum aglomerado urbano está passando mais calor do que deveria. As metrópoles brasileiras estão todas entre 4 e 5 graus Celsius acima da temperatura natural de seu bioma, informa Andrea Souza Santos, pesquisadora pelo COPPE/UFRJ e Secretária Executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
O principal vilão do aquecimento urbano já está identificado: é o concreto. “O cimento [base do concreto] é um problema desde sua produção, que emite muitos gases que aumentam o efeito estufa. Pela sua composição, é também um material que absorve bastante o calor e mantém o microclima mais quente”, explica Andrea Santos.
Além do concreto, o asfalto e o alto consumo de energia também estão na lista negra do impacto climático das grandes cidades. O consumo de energia, sobretudo quando utilizada no transporte urbano, produz muito calor com a emissão de gases na atmosfera.
Leia completo em VIX
As chuvas que caíram em SP nos últimos dias e as que caíram em BH mostram claramente que estão despreparadas para o que vem pela frente. Pior, parecem estar no fundo do buraco e cavando.
Há muito tempo se sabe que o aquecimento global trará eventos climáticos mais extremos e mais frequentes. Marcelo Leite, na Folha, foi na mosca: “Pois os dois problemas são precisamente esses dois: cairão chuvas cada vez mais intensas, como avisam há décadas pesquisadores do clima, e governantes continuarão tentando tirar o corpo fora e insistirão em obras erradas em sua concepção”, referindo-se a piscinões, canalizações e mais avenidas expressas que, junto com a urbanização costumeira, acabam impermeabilizando o solo.
Leite alerta que “médias históricas não servem mais para planejar a rede de drenagem. Não faz sentido continuar insistindo em represar águas, pois os engenheiros não têm chance de vencer essa luta com a mudança do clima. Está na hora de rever os pressupostos e chamar urbanistas, climatologistas e ambientalistas para a mesa de discussão. Em lugar de construir mais pistas nas avenidas marginais, aumentando a impermeabilização do solo, que tal devolver as áreas de várzea para os rios e parar de aprisioná-los com cimento?”
Nabil Bonduki, também na Folha, foi feliz no título do seu artigo: ”Com chuvas cada vez mais intensas, rios que viram ruas voltarão a ser rios”.
Leia completo em Clima Info.